OPRESSÃO - Afeganistão | Mulheres e talibãs: sem direito a esporte e comparadas a melões

As burcas são a expressão máxima do fundamentalismo religioso e da opressão misógina. 📷 © HOSHANG HASHIMI/AFP

Protestos contra o governo provisório estão proibidos. Regresso do Ministério da Promoção da Virtude e Prevenção do Vício faz lembrar brutalidade do regime.

O retrocesso civilizacional está em marcha no Afeganistão, apesar dos protestos de mulheres nas ruas, enquanto os Estados Unidos continuam a medir as palavras e a China a encorajar o novo poder, que anunciou na terça-feira um executivo provisório formado apenas por homens e talibãs, com a única diferença de uns pertencerem à facção ultra do ministro do Interior, Sirajuddin Haqqani.

No Afeganistão, ou antes, no emirado islâmico, como os talibãs dizem, não há lugar para as mulheres, exceto em casa. Em entrevista ao canal australiano SBS, o vice-líder da "comissão cultural" dos talibãs acabou com as esperanças - se as havia - de que as mulheres poderão praticar desporto. Ao responder sobre o críquete acabou por dizer que "o emirado islâmico não permite às mulheres jogarem críquete ou praticar o tipo de esportes em que se expõem".

"Você compra um melão intacto ou fatiado? É claro que é o intacto. Uma mulher sem hijab é como um melão fatiado."

Ainda em agosto, o porta-voz dos fundamentalistas Zabihullah Mujahid aconselhou as mulheres a ficarem em casa: "Estamos preocupados com as nossas forças, que são novas, e podem não ter sido muito bem treinadas, pelo que podem maltratar as mulheres", disse em conferência de imprensa. Mujahid explicou que a situação era temporária, mas de imediato os afegãos lembraram-se do regime talibã em que as mulheres foram forçadas a usar burca e só podiam sair de casa acompanhadas por um "guardião".

Nada disto é surpreendente - exceto talvez os protestos nas ruas, apesar de na terça-feira os talibãs terem avisado as pessoas para não irem para as ruas manifestar-se e os jornalistas foram advertidos para não fazerem a cobertura dos protestos. Em Cabul uma pequena manifestação foi dispersada pelos talibãs. O mesmo aconteceu, segundo os meios de comunicação afegãos, na cidade de Faizabad (nordeste).

No dia anterior centenas de pessoas protestaram tanto na capital como em Herat, onde duas pessoas foram mortas a tiro. Na quarta-feira, os talibãs voltaram ao tema, tendo dito que "por enquanto" as manifestações estão proibidas e estas só serão realizadas com autorização prévia do Ministério da Justiça. Os violadores das novas ordens "enfrentarão severas sanções legais".

As mulheres exigem ser tratadas como seres humanos, o que choca com a mentalidade dos islamistas. Num vídeo partilhado por um jornalista da BBC persa, um talibã compara as mulheres a melões a propósito do uso de vestes para cobrir o corpo. "Você compra um melão intacto ou fatiado?", pergunta ao jornalista um homem não identificado. "É claro que é o intacto. Uma mulher sem hijab é como um melão fatiado", conclui num vídeo amplamente visto no Twitter. Nos anos 80, o mujaedine Gulbuddin Hekmatyar, apoiado pelos Estados Unidos na luta contra a ocupação soviética, ficou conhecido por atirar ácido às mulheres que não se tapavam com véus.

As mulheres afegãs estão, para serem abandonadas ao seu destino. Se há mais de duas décadas o tratamento desumano de que foram alvo pelos fundamentalistas indignaram feministas e políticos, e foram um argumento para desalojar os talibãs do poder, agora o momento não é para campanhas.

O secretário de Estado norte-americano Antony Blinken, depois de ter liderado uma reunião virtual sobre o Afeganistão com dirigentes de 20 países, voltou a repetir a mensagem da administração Biden: "Qualquer legitimidade, qualquer apoio, terá de ser merecido." A União Europeia salientou que os talibãs faltaram ao prometido governo inclusivo.

Para o que os talibãs cumprem é no restabelecimento do Ministério para a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, responsável entre 1996 a 2001 perseguição e punição de pessoas por não cumprirem a interpretação totalitária da lei islâmica. Nada que demova a China. O mesmo país que combate a minoria muçulmana saudou o governo provisório e o "fim de três semanas de anarquia".

Mesmo durante a ocupação militar ocidental, as mulheres viveram tempos complicados. Como lembra a jornalista Ruhi Khan num texto sobre o Afeganistão e o feminismo. Uma mulher de véu foi barbaramente assassinada por uma turba, perante a inação da polícia da capital. Farkhunda Malikzada teve a coragem de desmascarar em público um religioso que vendia papéis com versículos religiosos que garantia serem feitiços de amor. "Este crime ocorreu em março de 2015 no Afeganistão "liberalizado" sob a vigilância das forças aliadas e próximo do palácio de um presidente "progressista"", lembra a jornalista.
Cesar Avó/DN
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