JUSTIÇA - “Atira, meu camarada. É bandido!”: TV Record é condenada por incitar violência durante programa policial

Após ação do MPF, emissora deverá pagar R$ 1 milhão por danos morais coletivos; perseguição transmitida terminou com disparos da polícia contra suspeitos em SP

"Marcelo Rezende morreu aos 65 anos em 16 de setembro de 2017. Ele foi vítima de falência múltipla dos órgãos em consequência de um câncer. Rezende era líder de audiência no horário". Geilson Souto.

Alvo de uma ação do Ministério Público Federal (MPF), a TV Record foi condenada ao pagamento de R$ 1 milhão por danos morais coletivos ao transmitir uma perseguição policial que terminou com disparos contra dois suspeitos na capital paulista. As imagens aéreas foram veiculadas ao vivo no programa Cidade Alerta, na noite de 23 de junho de 2015. A sentença da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo reconheceu que, durante a cobertura, a emissora incitou a violência, abusou da liberdade de expressão e descumpriu sua finalidade educativa e cultural enquanto concessionária do serviço público de radiodifusão.

Ao longo da transmissão, o então apresentador Marcelo Rezende defendeu que os policiais atirassem nos dois homens, que fugiam em alta velocidade em uma moto. “Atira, meu camarada. É bandido!”, chegou a dizer o jornalista, sem ter nenhuma informação sobre o motivo da perseguição. A ação terminou com pelo menos três disparos de um oficial contra os suspeitos, já caídos em uma calçada. “Se ele atirou, é porque o bandido tava armado. E ele fez muito bem”, concluiu.

A imagem foi repetida várias vezes com comentários elogiosos à ação policial, tanto do apresentador quanto do piloto do helicóptero da Record que registrou a perseguição. Minutos depois, Rezende admitiu que reprisar o desfecho seria inapropriado. Aparentemente advertido por um integrante da produção do programa, afirmou que o colega “tá certinho de não querer botar o momento final da imagem. Tá corretíssimo. O errado tô eu”.

“Ora, resta evidente no vídeo que o programa extrapolou, em muito, o simples dever informativo e o exercício da liberdade de expressão do narrador”, destacou a sentença. “Embora se argumente que, por ser uma transmissão ao vivo não se tinha como prever o desfecho, entendo que, justamente por isso e pelo horário em que estava sendo exibido, a empresa ré deveria cumprir o seu dever educativo e cultural do serviço de radiodifusão.”

As obrigações das concessionárias desse serviço público, entre as quais a TV Record, decorrem do Decreto nº 52.795/63, que prevê a finalidade educativa e cultural da programação mesmo em veiculações de caráter informativo. Previsto no artigo 286 do Código Penal, o delito de incitação pública à prática de crime durante a transmissão também foi considerado para a condenação da emissora na esfera cível. Além disso, a Record feriu a Constituição ao desrespeitar os princípios da inocência e da dignidade humana.

A emissora poderá recorrer da sentença. Segundo a decisão, a Record deve destinar o valor da condenação ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, dedicado ao financiamento de projetos e iniciativas que promovam os direitos coletivos. Ao montante de R$ 1 milhão somam-se ainda R$ 97,7 mil, quantia correspondente ao valor cobrado dos anunciantes por inserções de 30 segundos no Cidade Alerta.

A ação que levou à condenação da emissora foi ajuizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, órgão do MPF em São Paulo. O número processual é 0026302-55.2015.4.03.6100. A tramitação pode ser consultada aqui.


📷 Fotomontagem: Geilson Souto
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