Diante da oportunidade de fazer a coisa certa pela primeira vez em muitos dias, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, não hesitou e se abraçou com ainda mais afinco ao erro – e não um erro qualquer, mas o puro arbítrio, que nega a mesmíssima democracia que se alega proteger. Alegando questões de prazos processuais, Moraes levou apenas algumas horas para negar um pedido feito nesta sexta-feira pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para que as investigações contra oito empresários, motivada pela divulgação de conversas privadas entre eles em um grupo de WhatsApp, fosse arquivada.
No agravo regimental, a vice-procuradora-geral Lindôra Araújo explicou todos os erros que fazem desta investigação uma aberração jurídica completa, digna de totalitarismos. Ao lado de irregularidades que já fazem parte do roteiro dos inquéritos abusivos que correm no Supremo, como o fato de os investigados não terem prerrogativa de foro, a investigação contra os empresários representou um novo grau de violação das garantias individuais ao estabelecer uma “polícia de pensamento de regimes autoritários”. A expressão não é gratuita – pelo contrário, é totalmente justificada, já que o grupo de empresários foi submetido a medidas extremas, chegando até mesmo ao bloqueio de contas bancárias, apenas porque alguns deles (mais especificamente, três dos oito investigados) manifestaram sua opinião sobre um golpe no Brasil, sem que suas palavras constituíssem nem apologia, nem incentivo, muito menos qualquer tipo de articulação para que tal ruptura ocorresse.
O fim do sigilo sobre a operação contra os empresários mostrou que, além das conversas tornadas públicas por um jornalista que passara meses integrando o mesmo grupo de WhatsApp, não havia nada mais que pudesse justificar a continuação das investigações, muito menos a prática da “pescaria probatória” da qual se passou a suspeitar fortemente quando surgiu a informação de que haveria conversas dos empresários com o procurador-geral Augusto Aras. Ao que tudo indica, uma vez de posse dos celulares, os investigadores passaram a vasculhar mesmo aquilo que não tinha conexão alguma com a conversa que originou toda a perseguição, na tentativa de encontrar algo que incriminasse o grupo.
A bem da verdade, Moraes nem precisaria admitir explicitamente que cometera “inconstitucionalidades e ilegalidades” ou “flagrante constrangimento ilegal”, para citar expressões usadas pela vice-procuradora-geral; ou que instituíra no Brasil a criminalização ampla, geral e irrestrita de opiniões; ou que inventara o “crime de cogitação”, em que se investiga um cidadão por simplesmente considerar a possibilidade de tomar determinada atitude, ainda que desista muito antes de transformá-la em realidade. Teria bastado acatar qualquer outra alegação para encerrar a perseguição aos empresários. Em vez disso, o ministro se recusa terminantemente a reconhecer o abuso cometido e o perigo que ele representa para a democracia – e esta cegueira é a mais benigna das hipóteses, pois seria ainda mais absurdo que, percebendo ter atropelado completamente garantias constitucionais, Moraes julgasse necessário mantê-los para não demonstrar fraqueza ou não dar argumentos a seus críticos e a um Poder Executivo contra o qual ele considera estar em guerra.
Após a negativa do ministro, Lindôra Araújo afirmou que buscará levar o caso ao plenário do Supremo, que poderá colocar um fim neste enredo digno de distopia orwelliana – embora todas as decisões colegiadas envolvendo os inquéritos das fake news, dos “atos antidemocráticos” e das “milícias digitais” não nos permitam ter muitas esperanças. Ainda mais se parte significativa da sociedade civil organizada e da opinião pública seguir adormecida. São inúmeros os brasileiros atentos a este apagão de liberdades promovido pelo Supremo, mas entidades importantes e formadores de opinião, muitos dos quais assinaram manifestos recentes com alarde, estão calados diante deste ataque real à nossa democracia – isso quando não o apoiam ou aplaudem. Como afirmamos neste espaço dias atrás, citando Francisco de Goya, este “sono da razão produz monstros” – no caso, produz déspotas “esclarecidos” que se julgam acima da Constituição que um dia juraram defender.