O ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), negou um pedido da coligação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para censurar uma reportagem da Gazeta do Povo que detalha a relação histórica do petista com o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. “Indefiro o pedido de remoção referente às publicações realizadas pela empresa Editora Gazeta do Povo S/A, pois o conteúdo impugnado caracteriza-se como matéria jornalística, de modo a preservar a liberdade de informação e imprensa”, escreveu o magistrado na decisão, proferida nesta quarta-feira (19).
O pedido foi apresentado pela coligação de apoio a Lula, encabeçada pelo PT, no último dia 11, e buscava retirar da internet a reportagem da Gazeta do Povo, uma notícia sobre decisão anterior de Sanseverino que censurou um tuíte do jornal, além de outras 13 postagens, de políticos, influenciadores e jornalistas, com críticas a Lula pelo apoio ao regime de Ortega.
“A decisão do TSE reconhece que os conteúdos publicados pela Gazeta do Povo são jornalísticos e que devem permanecer no debate público. O PT tentou criar mais uma mordaça sobre um tema de interesse nacional, como a relação de Lula com ditadores, mas foi vencido. O partido passou longe de conseguir apontar algo de errado em nosso conteúdo. Porém, é preocupante constatar que novas investidas contra a imprensa tradicional e também contra os novos veículos de comunicação não param de surgir. Há décadas não registramos um ataque tão intenso contra a liberdade de expressão como o que estamos vendo agora”, disse Ana Amélia Cunha Pereira Filizola, diretora da Gazeta do Povo.
O ministro atendeu a quase todo o pedido do PT, deixando de fora apenas a reportagem do jornal centenário. Citou precedente do TSE de 2019 segundo o qual “não cabe ao Poder Judiciário interferir na linha editorial para direcionar a pauta dos meios de comunicação, porquanto prevalece no Estado Democrático e Constitucional de Direito, à luz o art. 220 da Constituição Federal, maior deferência à liberdade de expressão, alcançada pela independência jornalística”.
O artigo 220 diz que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”, que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV” e ainda que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Apesar da decisão favorável à Gazeta do Povo, permanece em vigor uma liminar anterior de Sanseverino que censurou um tuíte do jornal com a notícia de que o regime de Ortega havia cortado o sinal do canal de notícias CNN naquele país. Já houve recurso contra essa decisão, e o caso está sendo analisado pelos demais ministros numa sessão virtual do TSE nesta quarta.
A reportagem que o PT tentou censurar, intitulada “Relacionamento entre Lula e ditador da Nicarágua está bem documentado”, reúne diversos fatos históricos, de conhecimento público, sobre a relação de Lula com Ortega. Relembra o apoio dado pelo Foro de São Paulo, organização fundada por Lula e Fidel Castro, a atos de repressão de Ortega contra opositores; declarações públicas do ex-presidente simpáticas ao ditador; além de acordos firmados durante seu mandato para bancar obras de infraestrutura na Nicarágua.
A ação do PT pretendia não apenas retirar do ar essa reportagem, mas também impedir que a Gazeta do Povo veiculasse outras notícias com o mesmo teor, sob pena de multa. Em defesa preliminar enviada ao ministro, o jornal reafirmou seu direito de divulgar a história, narrar, opinar e refletir sobre fatos de interesse da coletividade. Na peça, apontou a tentativa da coligação de Lula de interditar o debate sobre o apoio dado por ele a Daniel Ortega.
“A existência de tal apoio não é fato sabidamente inverídico, apto a ensejar a exclusão imediata de qualquer conteúdo jornalístico ou opinativo”, argumentou a defesa do jornal ao TSE. “A matéria jornalística impugnada levanta uma questão fundamental para o pleito: a relação que o Brasil terá com outros países durante uma eventual futura gestão por parte do candidato Lula. Quem serão os aliados internacionais do Brasil neste possível governo? Eis o questionamento que emerge de seu texto”, diz outro trecho da defesa.
Postagens censuradas
Apesar de manter a reportagem, Sanseverino aceitou o pedido do PT para retirar das redes 11 postagens que criticam o apoio de Lula a Ortega, e também atos autoritários praticados pelo presidente da Nicarágua, especialmente contra cristãos.
Entre seus autores estão os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Carla Zambelli (PL-SP); o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida; o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins; a influenciadora Barbara Destefani, do canal Te Atualizei; o economista Alan Ghani; o jornalista Rafael Santana; e o delegado e ex-deputado estadual Fernando Francischini.
Sanseverino considerou inverídica a suposição de que, por ser aliado político de Ortega, Lula apoiaria também medidas adotadas por seu regime, como perseguição de cristãos e tortura.
Ele se baseou em decisão semelhante, proferida por ele, no início de outubro, para remoção de outras 31 postagens sobre o tema, incluindo o tuíte da Gazeta do Povo; e também numa decisão de Cármen Lúcia para retirar do ar postagem de Eduardo Bolsonaro segundo a qual “Lula e PT apoiam invasões de igreja e perseguição de cristãos”.
A decisão desta quarta tem caráter liminar (provisório) e ainda deverá ser analisada pelos demais ministros do TSE, após manifestações das partes e do Ministério Público Eleitoral.