Hoje, depois de dormir o sono pesado das consciências tranquilas, abri os olhos remelentos e, por alguns segundos, cogitei a possibilidade de a vitória de Lula para um terceiro mandato ter sido apenas um pesadelo. Não era. Lula, a jararaca, venceu mesmo. E, pelos próximos dias, teremos de engolir o orgulho e contemplar a alegria totalmente despudorada que a esquerda, tadinha, confunde com felicidade.
Como sempre, essa alegria baseada na irracionalidade uma hora vai passar. E trará consigo uma enorme ressaca da qual, infelizmente, todos padeceremos. Afinal, a ideia de um paraíso na Terra vai contra a mais elementar das lógicas. E é justamente isso o que explica a eleição de um ex-presidiário para liderar um país de 200 milhões de habitantes: a crença de que um “bom selvagem” será capaz de transformar o Brasil num paraíso.
Essa ilusão da esquerda, cujas bases morais são ainda mais frágeis do que a nossa finada Constituição, começará a ruir assim que os petistas de todos os matizes perceberem que não têm mais um bode expiatório no Palácio do Planalto. Porque foi esse o papel de Jair Bolsonaro nos últimos quatro anos. Para a esquerda, todas as mazelas da vida coletiva ou individual tiveram um culpado: Bolsonaro.
Imagine só quando saírem as primeiras estatísticas sobre a morte de LGTVs. Ou os primeiros dados do desmatamento na Amazônia. Ou as primeiras projeções de hiperinflação. Ou os índices de violência, incluindo aí o feminicídio, o genocídio negro e até o gordocídio. Mais: imagine se Alexandre de Moraes, parça de Geraldo Alckmin, tiver mesmo gostado dessa coisa de mandar e desmandar e se recusar a bastar o bastão para o amiguinho?
Supondo que os dados são sejam maquiados e que o ímpeto autoritário dos ministros do STF não seja passageiro (não é), o esquerdista não terá como ignorar a realidade que o cerca: o vizinho morto porque o pivete queria apenas beber uma cervejinha, a “fumaça da Amazônia cobrindo o sol em São Paulo”, a Nutella custando um salário mínimo, o Ministro Supremo decidindo algo contra a cartilha do Partido só para mostrar que pode, a fila dos mendigos para receber uma prato de comida dos “fascistas cristãos”. Etc.
Dificilmente o esquerdista será capaz de olhar para si. Porque na essência da esquerda está a ideia de que todos os problemas do mundo são culpa dos outros. Da mãe ou do pai, do patrão, do guardinha, do “império estadunidense” – sei lá. E, nos últimos quatro anos, o esquerdista brasileiro (Sinistrus brasiliensis) se acostumou a ter na ponta da língua um único culpado para todas as enfermidades da sociedade e até da alma: Bolsonaro.
Tampouco o esquerdista apontará o dedo para o “bom selvagem” de voz rouca e hálito etílico que ele ajudou a entronar pela terceira vez. Primeiro porque lhe falta coragem de ir contra a tchurma. Depois porque é preciso um mínimo de inteligência até mesmo para reconhecer uma burrice.
Seja como for, no dia a dia o esquerdista que hoje tatua a estrela do PT em partes recônditas da anatomia, que anda todo orgulhosão por aí, com a cara feia do “bom selvagem” estampada na camiseta (100% algodão orgânico by MST), e que até até com câimbra no polegar e indicador de tanto fazer o “L”, terá de encontrar outro culpado pela angústia de viver num país menos-do-que-perfeito e pelo desassossego de perceber, lá no fundinho da alma que ele nega ter, que o admirável mundo novo nada tem de admirável.
Como o esquerdista sobreviverá a esse desafio que, muito mais do que político, tem um quê de metafísico? É possível que alguns insistam em apontar o dedo para Bolsonaro, agora rebatizado de “a herança fascista de Bolsonaro”. Mas tenho cá para mim que o problema é mais profundo e, por isso, o esquerdista sobreviverá à nova realidade à base dos placebo preferido dos progressistas: o hedonismo. Que, de mãos dadas com o cinismo e o niilismo, tenta-porque-tenta desposar essa infelicidade maldisfarçada de prazer, alegria e sobretudo orgulho.
Paulo Polzonoff Jr./GP