Ataques a escolas no Brasil: 'Sempre procuro lugares para me esconder'
| Yanne Cezário sobreviveu a um tiroteio em sua escola
"Ainda me afeta. Até hoje, sempre que saio, me pego procurando esconderijos e rotas de fuga, caso algo aconteça."
Yanne Cezário é sobrevivente de um tiroteio em uma escola em 2019 na cidade brasileira de Suzano.
O assalto à escola Raul Brasil, em que dois jovens invadiram o prédio, matando oito pessoas e ferindo outras 11, foi um dos piores já ocorridos no Brasil.
O trauma daquele dia permaneceu com Yanne desde então.
Ela tinha 17 anos na época, em seu último ano. Yanne se lembra de ter fugido do assassino e, ao se virar, vê-lo atirar em um de seus amigos e matá-lo. Ela teve que se esconder sob os corpos em sua luta para sobreviver e foi pisoteada por outros alunos que tentavam desesperadamente escapar.
"Quando eu finalmente saí, eu tinha sangue por toda a minha roupa - minha e de outras pessoas."
A realidade do que aconteceu só a atingiu no dia seguinte, ela diz, quando voltou para casa do funeral coletivo organizado pelas autoridades locais.
"Eu deitei ao lado da minha mãe e comecei a gritar a plenos pulmões, gritando que queria meus amigos de volta, que não entendia o que havia acontecido."
Desde então, Yanne toma antidepressivos e faz terapia. Seus ataques de ansiedade não são tão graves quanto no início, quando ela desmaiava em lugares lotados. Mas ela ainda sente falta de ar às vezes.
Alguns dos efeitos, no entanto, são irreversíveis. Agora com 21 anos, a tragédia fez Yanne escolher o ensino a distância em vez de ir para uma universidade. Há anos ela queria ser professora, mas não se sentia pronta para voltar para uma turma cheia de gente.
Ela pensou que já estaria pronta, pois se aproxima a hora de sua primeira colocação obrigatória em uma escola. Mas uma recente onda de novos ataques a escolas no Brasil a preocupa.
"No dia em que recebi o e-mail sobre o estágio, lembro-me de ir para o meu quarto e pensar comigo mesma: 'Não acredito que tudo isso está acontecendo de novo'", diz ela. "Mas isso é o que eu escolhi, então estou indo em frente."
Para horror das famílias e do governo brasileiro, esses ataques, que costumavam ser eventos pontuais, estão se tornando mais comuns em todo o país. Nas últimas duas décadas, foram 22 ataques em escolas perpetrados por ex-alunos, sendo 13 deles nos últimos dois anos, segundo dados do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp).
Rhyllary Barbosa de Sousa, outra sobrevivente do tiroteio na escola de Suzano, tinha 15 anos quando o ataque aconteceu. Ela experimentou depressão severa desde então e até tentou o suicídio.
"Para ser sincera, a única coisa boa que ainda tenho daquela época é a minha prática de Jiu-Jitsu", diz ela.
| Rhyllary Barbosa tinha 15 anos quando sua escola foi atacada
Ela praticava Jiu-Jitsu brasileiro desde o início da adolescência e, segundo ela, foram essas habilidades nas artes marciais que a ajudaram a evitar ser derrubada pelo assassino durante o ataque e a abrir uma das portas da escola para que outros alunos pudessem escapar. Ela ainda frequenta as aulas de Jiu-Jitsu todos os dias da semana.
A série mais recente de ataques - dois ocorridos nos primeiros três meses de 2023 - fez Rhyllary refletir sobre por que esses ataques estão aumentando e o que mais poderia ser feito para impedir que acontecessem.
"Eles [os pais] precisam confortar seus filhos, criar um espaço seguro para eles falarem sobre seus problemas", diz ela.
Ela também sente que é preciso que a sociedade comece a prestar mais atenção ao que acontece na internet. Rhyllary constantemente recebe ameaças online de adolescentes que se dizem inspirados pelos assassinos que invadiram sua escola. Ela diz que a mídia social está desempenhando um papel na radicalização dos jovens no Brasil.
É o que comprova a pesquisa do especialista César Nunes. Ele faz parte do grupo Gepem da Universidade Estadual de Campinas, que estuda esses ataques, e vem monitorando as redes sociais utilizadas para planejá-los.
Ele diz que o conteúdo extremista de direita que anos atrás era restrito à deep web agora está amplamente disponível nas mídias sociais. Isso tornou mais fácil para grupos que promovem conteúdo nazista, supremacista branco e misógino cooptar adolescentes que se sentem isolados ou rejeitados na escola.
"Eles os ensinam como usar armas, como ser um dos grandes em seu 'Hall of Fame' - eles têm esse tipo de coisa. É terrível."
| Escolas de Suzano agora ficam com os portões sempre fechados
Mas Nunes acredita que a internet é apenas um fator.
Ele diz que a pandemia de Covid-19, que obrigou muitos adolescentes a passar mais tempo online e ajudou a enfraquecer seus laços sociais com familiares e amigos, desempenhou um papel.
Uma campanha eleitoral presidencial polêmica, que viu o esquerdista Inácio Lula da Silva desafiar o titular de extrema-direita, Jair Bolsonaro, polarizou ainda mais o Brasil e fomentou uma retórica política violenta, que por sua vez criou um ambiente que impacta negativamente os jovens, ele argumenta.
Em outubro de 2022, Lula venceu a eleição pela margem mais estreita da história recente do Brasil.
Lula está no cargo desde janeiro, mas algumas das políticas implementadas durante o mandato de Bolsonaro - como o afrouxamento das restrições de armas - estão tendo efeito duradouro, segundo um extenso relatório elaborado por um grupo de especialistas durante o governo transição.
O relatório vincula o aumento da violência escolar ao crescimento do extremismo de direita no Brasil nos últimos anos e à disseminação do discurso de ódio online.
Ele também lista as tentativas do Congresso Brasileiro de proibir assuntos como diversidade e racismo de serem discutidos em sala de aula como um dos fatores que impactam negativamente os alunos.
A resposta aos ataques varia em todo o país. Cada um dos 5.572 municípios do Brasil controla sua própria educação primária, enquanto as escolas secundárias são administradas pelos governos estaduais.
Algumas áreas escolares se concentraram em reforçar a segurança, especialmente depois de uma recente onda de ameaças online na preparação para 20 de abril, aniversário do tiroteio de 1999 em Columbine, nos Estados Unidos.
Yanne - a sobrevivente do tiroteio na escola de Suzano há quatro anos - nunca tinha ouvido falar de Columbine antes de sua própria escola ser atacada por dois agressores adolescentes que disseram a seus amigos que queriam "copiar" o massacre dos EUA que deixou 12 crianças e um professor morto.
Desde então, as autoridades escolares estão em alerta máximo na época do aniversário de Columbine.
| Escolas municipais de Suzano passam a ser patrulhadas pela polícia
Algumas escolas brasileiras tentam enfrentar o problema antes que ele se desenvolva, contratando psicólogos para combater o bullying e a hostilidade entre os alunos.
No nível federal, o Ministério da Justiça lançou uma linha direta para que as autoridades possam obter informações sobre violência escolar e ordenou que as plataformas de mídia social retirem perfis que incentivam ataques a escolas.
Quase 800 foram removidos antes de 18 de abril deste ano, sugerem dados do Ministério da Justiça.
A cidade de Suzano está tentando uma abordagem dupla. Por um lado, as autoridades locais introduziram medidas de segurança mais duras. As 74 escolas municipais da cidade agora são monitoradas por mais de 1.000 câmeras de segurança em circuito fechado e patrulhadas regularmente por policiais armados com cães.
A cidade também administra um programa de treinamento de professores para identificar e lidar com o bullying e o comportamento violento entre os alunos, o que espera impedir que crianças problemáticas se tornem agressores.
| Professores foram treinados para identificar bullying e comportamento violento em alunos
Na opinião de Nunes, trabalhar dentro das escolas para criar um ambiente acolhedor e investir na resolução de conflitos é fundamental para enfrentar o problema.
"É uma solução de longo prazo", diz ele. "Temos que aprender como compartilhar espaço com os outros, como fazer concessões. Se não fizermos isso em nossas escolas, não seremos capazes de fazer isso como sociedade."
Ele diz que aumentar a segurança deve ser restrito a casos mais extremos, onde há uma ameaça específica. "Quando você olha para o que está acontecendo com os Estados Unidos, eles estão investindo pesadamente em segurança e ainda têm mais ataques em escolas do que em qualquer outro lugar."
Adriana, enfermeira que mora na cidade de Vitória, no sudeste do Brasil, é mãe de um adolescente que em agosto de 2022 atacou a escola que frequentava.
O então jovem de 18 anos invadiu o prédio carregando uma besta e uma faca, mas felizmente foi parado por funcionários da escola antes que pudesse realizar seu plano.
Adriana diz que houve alguns sinais de alerta de que algo estava errado - e tem um alerta severo para os outros.
"Meu conselho aos pais é: preste atenção em seus filhos, fique atento às suas atividades online, com quem eles estão conversando.
"O processo de radicalização pode começar em uma idade muito jovem. É melhor prevenir do que remediar."
| Yanne Cezário sobreviveu a um tiroteio em sua escola
"Ainda me afeta. Até hoje, sempre que saio, me pego procurando esconderijos e rotas de fuga, caso algo aconteça."
Yanne Cezário é sobrevivente de um tiroteio em uma escola em 2019 na cidade brasileira de Suzano.
O assalto à escola Raul Brasil, em que dois jovens invadiram o prédio, matando oito pessoas e ferindo outras 11, foi um dos piores já ocorridos no Brasil.
O trauma daquele dia permaneceu com Yanne desde então.
Ela tinha 17 anos na época, em seu último ano. Yanne se lembra de ter fugido do assassino e, ao se virar, vê-lo atirar em um de seus amigos e matá-lo. Ela teve que se esconder sob os corpos em sua luta para sobreviver e foi pisoteada por outros alunos que tentavam desesperadamente escapar.
"Quando eu finalmente saí, eu tinha sangue por toda a minha roupa - minha e de outras pessoas."
A realidade do que aconteceu só a atingiu no dia seguinte, ela diz, quando voltou para casa do funeral coletivo organizado pelas autoridades locais.
| Cinco adolescentes estavam entre os mortos no ataque à escola em Suzano, perto de São Paulo, em 2019. | 📷 Getty Images
"Eu deitei ao lado da minha mãe e comecei a gritar a plenos pulmões, gritando que queria meus amigos de volta, que não entendia o que havia acontecido."
Desde então, Yanne toma antidepressivos e faz terapia. Seus ataques de ansiedade não são tão graves quanto no início, quando ela desmaiava em lugares lotados. Mas ela ainda sente falta de ar às vezes.
Alguns dos efeitos, no entanto, são irreversíveis. Agora com 21 anos, a tragédia fez Yanne escolher o ensino a distância em vez de ir para uma universidade. Há anos ela queria ser professora, mas não se sentia pronta para voltar para uma turma cheia de gente.
Ela pensou que já estaria pronta, pois se aproxima a hora de sua primeira colocação obrigatória em uma escola. Mas uma recente onda de novos ataques a escolas no Brasil a preocupa.
"No dia em que recebi o e-mail sobre o estágio, lembro-me de ir para o meu quarto e pensar comigo mesma: 'Não acredito que tudo isso está acontecendo de novo'", diz ela. "Mas isso é o que eu escolhi, então estou indo em frente."
Para horror das famílias e do governo brasileiro, esses ataques, que costumavam ser eventos pontuais, estão se tornando mais comuns em todo o país. Nas últimas duas décadas, foram 22 ataques em escolas perpetrados por ex-alunos, sendo 13 deles nos últimos dois anos, segundo dados do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem) da Universidade Estadual de Campinas ( Unicamp).
Rhyllary Barbosa de Sousa, outra sobrevivente do tiroteio na escola de Suzano, tinha 15 anos quando o ataque aconteceu. Ela experimentou depressão severa desde então e até tentou o suicídio.
"Para ser sincera, a única coisa boa que ainda tenho daquela época é a minha prática de Jiu-Jitsu", diz ela.
| Rhyllary Barbosa tinha 15 anos quando sua escola foi atacada
Ela praticava Jiu-Jitsu brasileiro desde o início da adolescência e, segundo ela, foram essas habilidades nas artes marciais que a ajudaram a evitar ser derrubada pelo assassino durante o ataque e a abrir uma das portas da escola para que outros alunos pudessem escapar. Ela ainda frequenta as aulas de Jiu-Jitsu todos os dias da semana.
A série mais recente de ataques - dois ocorridos nos primeiros três meses de 2023 - fez Rhyllary refletir sobre por que esses ataques estão aumentando e o que mais poderia ser feito para impedir que acontecessem.
"Eles [os pais] precisam confortar seus filhos, criar um espaço seguro para eles falarem sobre seus problemas", diz ela.
Ela também sente que é preciso que a sociedade comece a prestar mais atenção ao que acontece na internet. Rhyllary constantemente recebe ameaças online de adolescentes que se dizem inspirados pelos assassinos que invadiram sua escola. Ela diz que a mídia social está desempenhando um papel na radicalização dos jovens no Brasil.
É o que comprova a pesquisa do especialista César Nunes. Ele faz parte do grupo Gepem da Universidade Estadual de Campinas, que estuda esses ataques, e vem monitorando as redes sociais utilizadas para planejá-los.
Ele diz que o conteúdo extremista de direita que anos atrás era restrito à deep web agora está amplamente disponível nas mídias sociais. Isso tornou mais fácil para grupos que promovem conteúdo nazista, supremacista branco e misógino cooptar adolescentes que se sentem isolados ou rejeitados na escola.
"Eles os ensinam como usar armas, como ser um dos grandes em seu 'Hall of Fame' - eles têm esse tipo de coisa. É terrível."
| Escolas de Suzano agora ficam com os portões sempre fechados
Mas Nunes acredita que a internet é apenas um fator.
Ele diz que a pandemia de Covid-19, que obrigou muitos adolescentes a passar mais tempo online e ajudou a enfraquecer seus laços sociais com familiares e amigos, desempenhou um papel.
Uma campanha eleitoral presidencial polêmica, que viu o esquerdista Inácio Lula da Silva desafiar o titular de extrema-direita, Jair Bolsonaro, polarizou ainda mais o Brasil e fomentou uma retórica política violenta, que por sua vez criou um ambiente que impacta negativamente os jovens, ele argumenta.
Em outubro de 2022, Lula venceu a eleição pela margem mais estreita da história recente do Brasil.
Lula está no cargo desde janeiro, mas algumas das políticas implementadas durante o mandato de Bolsonaro - como o afrouxamento das restrições de armas - estão tendo efeito duradouro, segundo um extenso relatório elaborado por um grupo de especialistas durante o governo transição.
O relatório vincula o aumento da violência escolar ao crescimento do extremismo de direita no Brasil nos últimos anos e à disseminação do discurso de ódio online.
Ele também lista as tentativas do Congresso Brasileiro de proibir assuntos como diversidade e racismo de serem discutidos em sala de aula como um dos fatores que impactam negativamente os alunos.
A resposta aos ataques varia em todo o país. Cada um dos 5.572 municípios do Brasil controla sua própria educação primária, enquanto as escolas secundárias são administradas pelos governos estaduais.
Algumas áreas escolares se concentraram em reforçar a segurança, especialmente depois de uma recente onda de ameaças online na preparação para 20 de abril, aniversário do tiroteio de 1999 em Columbine, nos Estados Unidos.
Yanne - a sobrevivente do tiroteio na escola de Suzano há quatro anos - nunca tinha ouvido falar de Columbine antes de sua própria escola ser atacada por dois agressores adolescentes que disseram a seus amigos que queriam "copiar" o massacre dos EUA que deixou 12 crianças e um professor morto.
Desde então, as autoridades escolares estão em alerta máximo na época do aniversário de Columbine.
| Escolas municipais de Suzano passam a ser patrulhadas pela polícia
Algumas escolas brasileiras tentam enfrentar o problema antes que ele se desenvolva, contratando psicólogos para combater o bullying e a hostilidade entre os alunos.
No nível federal, o Ministério da Justiça lançou uma linha direta para que as autoridades possam obter informações sobre violência escolar e ordenou que as plataformas de mídia social retirem perfis que incentivam ataques a escolas.
Quase 800 foram removidos antes de 18 de abril deste ano, sugerem dados do Ministério da Justiça.
A cidade de Suzano está tentando uma abordagem dupla. Por um lado, as autoridades locais introduziram medidas de segurança mais duras. As 74 escolas municipais da cidade agora são monitoradas por mais de 1.000 câmeras de segurança em circuito fechado e patrulhadas regularmente por policiais armados com cães.
A cidade também administra um programa de treinamento de professores para identificar e lidar com o bullying e o comportamento violento entre os alunos, o que espera impedir que crianças problemáticas se tornem agressores.
| Professores foram treinados para identificar bullying e comportamento violento em alunos
Na opinião de Nunes, trabalhar dentro das escolas para criar um ambiente acolhedor e investir na resolução de conflitos é fundamental para enfrentar o problema.
"É uma solução de longo prazo", diz ele. "Temos que aprender como compartilhar espaço com os outros, como fazer concessões. Se não fizermos isso em nossas escolas, não seremos capazes de fazer isso como sociedade."
Ele diz que aumentar a segurança deve ser restrito a casos mais extremos, onde há uma ameaça específica. "Quando você olha para o que está acontecendo com os Estados Unidos, eles estão investindo pesadamente em segurança e ainda têm mais ataques em escolas do que em qualquer outro lugar."
Adriana, enfermeira que mora na cidade de Vitória, no sudeste do Brasil, é mãe de um adolescente que em agosto de 2022 atacou a escola que frequentava.
O então jovem de 18 anos invadiu o prédio carregando uma besta e uma faca, mas felizmente foi parado por funcionários da escola antes que pudesse realizar seu plano.
Adriana diz que houve alguns sinais de alerta de que algo estava errado - e tem um alerta severo para os outros.
"Meu conselho aos pais é: preste atenção em seus filhos, fique atento às suas atividades online, com quem eles estão conversando.
"O processo de radicalização pode começar em uma idade muito jovem. É melhor prevenir do que remediar."
Por Camila Veras Mota/BBC