O Rio de Janeiro continua lindo, mas tão violento quanto o resto do país
Quem matou Marielle Franco e Anderson Gomes, seu motorista, parece uma questão mais ou menos esclarecida a essa altura. Quem mandou matar e por que, tudo indica que a Polícia Federal já sabe quem foi, e os motivos. Deverá revelar em breve.
É duvidoso se isso servirá para desbaratar em parte o esquema miliciano que domina áreas gigantescas do Rio de Janeiro. Quem o faria? A Polícia Federal, sozinha, com seu contingente limitado de esforçados agentes? Não é tarefa para as Forças Armadas.
Seria para as polícias militar e civil, mas elas, em grande medida, funcionam como uma extensão do esquema miliciano e com ele se confundem. Cerca de 3 milhões de pessoas no Rio vivem em áreas onde as milícias e o tráfico de drogas ditam as regras.
A estimativa, que precisa ser atualizada, é do Ministério da Defesa ainda à época do governo do presidente Michel Temer. O Gabinete de Segurança Institucional, por meio da Agência Brasileira de Inteligência, tem mapeado onde o crime organizado prevalece.
Mas faltam recursos suficientes para combatê-lo. Falta decisão política para tal do governo federal e dos estaduais. Nos últimos quatro anos, pela primeira vez, o país teve um presidente da República miliciano, que os protegia e por eles era protegido.
Um presidente que assim agiu durante 30 anos como deputado federal. Que incentivou os filhos parlamentares a homenageá-los com títulos e comendas, e a extrair vantagens eleitorais da parceria com eles. E que, uma vez, foi assaltado no Rio à luz do dia.
Os bandidos tomaram-lhe a moto, a arma que carregava e o dinheiro. A moto e a arma foram recuperadas velozmente, e os bandidos executados por policiais amigos do assaltado. Quem, no Rio, desde que possa e queira, não convive bem com criminosos?
Não é mais um Estado dentro de um Estado, são Estados com embaixadores que mediam conflitos quando chegam ao ponto de desatar guerras que não lhes interessam. Bandidos e autoridades, e não só no Rio, negociam tréguas eventuais ao arrepio das leis.
A compra de armas foi incentivada pelo presidente miliciano que pregava que os brasileiros se armassem “para nunca mais ser escravos de ninguém”. Dito de outra maneira: para que o ajudassem no futuro a instalar no país um regime autoritário.
Ao garimpo ilegal em terras indígenas, o presidente miliciano concedeu passe livre. Era preciso afrouxar a legislação para que passasse a manada que desmatou a Amazônia, e ela passou sob o cuidado do ministro contrabandista de madeira nobre.
O Exército rendeu-se à ordem dada pelo presidente miliciano para abrigar golpistas inconformados com sua derrota. E à porta de quartéis eles ficaram, e no acampamento em Brasília vendiam-se drogas, fabricavam-se bombas e prosperava o sexo remunerado.
Tudo sob os olhos da farda, e com a cumplicidade da família militar. Como estaria o Brasil se o presidente miliciano tivesse sido reeleito? Certamente pior. Teria emplacado seu terceiro ministro no Supremo Tribunal Federal, e prestes a emplacar o quarto.
Não basta responder sobre quem matou Marielle, quem mandou matar e por quê. Como foi possível a eleição de um presidente miliciano? E o que fazer para que nunca mais isso aconteça?