Deputados e senadores que fazem parte da CPMI do 8/1 já estão divididos em duas perspectivas para as conclusões dos trabalhos até 25 de outubro. | Deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Senador Marcos do Val (Podemos-ES). | 📷 Marcos Oliveira/Agencia Senado
A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro está chegando à metade de seu prazo de seis meses marcada pela polarização entre os objetivos do governo e oposição. Cada lado traça uma cronologia própria em torno do vandalismo na Praça dos Três Poderes, com alvos determinados para respaldar as respectivas linhas de investigação.
A bancada governista sustenta ter havido uma suposta tentativa de golpe de Estado liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), numa narrativa que abrange vários meses e capítulos de conspiração. Os oposicionistas, por sua vez, querem aprofundar indícios de omissões de autoridades federais, sem as quais não teriam ocorrido os episódios daquele fatídico domingo.
O relatório final do colegiado, em elaboração pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), trará longa e difusa linha do tempo, desde a campanha eleitoral de 2022, passando pela invasão frustrada da sede da Polícia Federal em 12 de dezembro e o atentado desbaratado próximo ao Aeroporto de Brasília na véspera do Natal, até os dias atuais, com denúncias de desvio e venda de joias da Presidência por Bolsonaro e de ações contra as urnas eletrônicas. A relatora fala que a CPMI já dispõe de elementos suficientes para indiciar o Jair Bolsonaro por uma série de crimes que se conjugariam na intenção de dar um "golpe de Estado".
Com outro enfoque, complementar às investigações da Justiça, a oposição, sob coordenação do deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), prepara o seu relatório paralelo para ligar eventos estritamente relacionados ao 8 de janeiro, com especial atenção na inação do governo Lula diante dos alertas emitidos pelos serviços de inteligência e outras fontes desde 6 de janeiro.
O primeiro omisso identificado, até pelos aliados do Planalto, é o general Marco Gonçalves Dias, ex-chefe da segurança do presidente da República, como ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula. O ministro Alexandre Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) acolheu a manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR) na quarta-feira (16) de que Gonçalves Dias “se omitiu do seu dever de adotar providência necessária para a salvaguarda e a proteção do Palácio do Planalto”.
Governistas invadem agenda do colegiado com temas estranhos
Com a proximidade dos três meses finais da CPMI, integrantes chegaram a especular sobre eventual prorrogação, que precisaria do apoio de um terço da Câmara e um terço do Senado. O presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), considerou a possibilidade improvável, reiterando a necessidade de manter o foco no objeto da investigação e evitar temas estranhos, como o das joias de Bolsonaro.
Nas últimas semanas, a oposição conseguiu avançar na investigação sobre as omissões do governo, após o testemunho do ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Saulo Moura da Cunha, que atestou postura negligente de seu então superior Gonçalves Dias no 8 de janeiro, além da intenção deste de ocultar registros de avisos e de imagens depois vazadas. Na última terça-feira (15), o general foi finalmente incluído no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura os atos de vandalismo.
O principal foco dos parlamentares oposicionistas agora está nas provas de omissão do ministro Flávio Dino (Justiça), que reiteradamente negou-se a atender aos requerimentos de parlamentares para fornecer as imagens das câmeras da sede de sua pasta no 8 de janeiro. Após pedidos, protestos e novos prazos, Dino encaminhou apenas vídeos de duas câmeras, reforçando suspeitas de omissão, além da prática de prevaricação conforme denúncia entregue pela oposição à PGR.
Imagens negadas comprovariam a dispensa da Força Nacional
Para amplificar o interesse sobre esse material negado, o fotógrafo Adriano Machado, da agência de notícias Reuters, informou à CPMI que tinha visto e fotografado contingente de homens da Força Nacional postado próximo do estacionamento do Palácio da Justiça quando as sedes dos Três Poderes já haviam sido invadidas e vandalizadas. Estima-se 200 a 250 soldados de prontidão e não empregados. Para a oposição, os sinais de leniência podem alcançar Lula, se considerar conversas telefônicas dele com Dino nos instantes dos atos e sua decisão na véspera de viajar para Araraquara (SP).
Por fim, o relatório paralelo deverá abordar injustiças e abusos constatados contra os cerca de 2 mil presos do 8 de janeiro, além de apontar a intenção do governo federal em creditar toda a culpa das falhas na contenção dos eventos à segurança do Distrito Federal. O secretário distrital Anderson Torres e o comandante-geral da PMDF foram afastados e presos, assim como o coronel Jorge Naime, que conteve manifestantes.
O senador Esperidião Amin (PP-AL) considera a participação imediata do general Gonçalves Dias na CPMI como essencial para a evolução satisfatória dos trabalhos do colegiado, sobretudo após o ministro Alexandre Moraes ter acrescido o nome do ex-ministro do GSI na lista dos investigados por crimes de omissão. “Temos já aprovados requerimentos de convite e de convocação deste investigado formal e temos ainda os detalhes do diálogo que ele teve com o ex-diretor-geral da Abin”, argumentou.
Partilha da mesma opinião o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que considera o depoimento do general Gonçalves Dias algo essencial para a busca da verdade. Para o parlamentar, o 8 de janeiro não teria ocorrido se não fosse a omissão das autoridades federais. “São pessoas que receberam alertas na sexta, no sábado e no domingo de que haveria invasão dos prédios e de que haveria depredação do patrimônio. Ninguém fez nada. Por isso precisamos saber quem recebeu as mensagens e a quem repassou e, por fim, quais as atitudes foram tomadas ou deixadas de tomar com relação a isso”, disse.
O senador reclamou também da negativa de envio de imagens do Ministério da Justiça, da espera por documentos prometidos pelo STF e do adiamento de audiências importantes. “A impressão que tenho desde o primeiro momento da CPMI é a de que já há relatório pronto, faltando só construir uma narrativa capaz de dar solidez a ele. Nesse meio tempo, deveríamos ouvir pessoas que podem esclarecer fatos e não as ignorar. Logo o prazo termina e dados fundamentais ficarão de fora”, lamentou.
Ministro da Defesa admite que vandalismo poderia ser evitado
Ainda no capítulo das omissões, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, afirmou na quarta-feira (16), em entrevista ao portal UOL, que as Forças Armadas poderiam ter evitado o 8 de janeiro. “Faltou naquele dia, verdadeiramente, uma repressão. Se houvesse quem impedisse aquilo, Exército, Marinha, Aeronáutica ou Polícia do Distrito Federal, não haveria”, disse.
Ele ainda isentou as Forças Armadas da intenção de dar um golpe no 8 de janeiro e também evitou chamar os invasores de “golpistas”, forma pela qual são tratados pelos aliados do governo. “Não havia liderança, cada um escolhia para onde ia. Um grupo ia para o Congresso, outro para o Supremo, outro para o Palácio do Planalto, não veio um comandante. Veio um bando de senhoras, crianças, idosos”, completou.
A prisão na manhã desta sexta-feira (18) do coronel Klepter Rosa Gonçalves, comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), numa operação da Polícia Federal (PF), reforçou também as suspeitas dos oposicionistas de omissões de autoridades federais. O oficial assumiu o comando da PMDF interinamente logo após os atos de vandalismo, em substituição ao coronel Fábio Augusto Vieira, afastado e detido por ordem do interventor federal de segurança, Ricardo Cappelli, secretário-executivo do ministro Flávio Dino (Justiça). Em 15 de fevereiro, o então interventor formalizou a promoção do coronel Klepter como comandante-geral.