Um presidente discreto e cuidadoso nas palavras será muito melhor para a economia do que um presidente falastrão e defensor do crescimento a qualquer custo
Lula tem agido como animador de auditório, ao anunciar programas e gastos do governo. | 📷 Wilton Júnior/Estadão
Mais silêncio, menos gastança e pouco ruído na economia deveriam ser preocupações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, num momento de muita incerteza entre empresários e investidores.
Depois de um crescimento surpreendente em 2023, as apostas otimistas indicam expansão econômica próxima de 2% em 2024. Esse ritmo, segundo as previsões, deverá manter-se nos próximos anos. No ano passado só se investiu em meios de produção o equivalente a 16,5% do Produto Interno Bruto (PIB), uma das menores taxas deste século. Juros em queda poderão baratear o capital e animar o empresariado, mas a decisão de investir depende também de previsibilidade e confiança.
As expectativas dos empresários pioraram em fevereiro, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e nova piora deve ter ocorrido neste mês, de acordo com a última prévia. Dados de março da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam confiança disseminada no setor, mas com indicadores pouco acima de 50, linha divisória entre o pessimismo e o otimismo. Na indústria de transformação, a média ficou em 52,7 pontos.
Falante como animador de auditório, o presidente Lula tem anunciado investimentos sociais e gastos suficientes para estimular a economia, enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete eliminar o déficit primário — sem a conta de juros, portanto — ou levá-lo para perto de zero.
A etapa seguinte, obviamente, deve ser a retomada do crescimento com maior segurança. É claro o contraste entre o discurso político-eleitoral e o plano econômico. Falta saber qual dos dois terá maior peso, de fato, no dia a dia da ação governamental. Para realizar seus ajustes, Haddad terá de vencer entraves tanto no Executivo quanto no Congresso.
Por enquanto, o Ministério do Planejamento estima para 2024 um déficit primário, nas contas federais, de R$ 9,3 bilhões, valor correspondente a 0,1% do PIB. No mercado, o rombo previsto é de 0,5%. Com maior expansão econômica, será mais fácil financiar as despesas do governo e reduzir o buraco nas contas da União.
O crescimento do PIB, neste ano, dependerá da indústria mais do que em 2023, quando a atividade geral foi puxada principalmente pela agropecuária. Só nos próximos meses se saberá, no entanto, se o setor industrial será capaz de assumir esse papel. Não há indícios claros, até agora, de um novo dinamismo acumulado pela indústria no último ano.
Juros menores poderão estimular o consumo e a expansão dos negócios no comércio, nos serviços e na indústria. Mas é difícil prever até onde poderá avançar a baixa dos juros. Em sua última reunião, na semana passada, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) cortou mais 0,5 ponto da taxa básica, reduzindo-a para 10,75% ao ano. Descontada a inflação esperada para o ano, o custo real do dinheiro ainda é muito alto. O Copom anunciou um corte igual em sua próxima reunião, sem avançar, como em outros comunicados, para prazos mais longos. No mercado, houve sinais de preocupação diante dessa linguagem mais cautelosa.
Além de mencionar um processo desinflacionário ”mais lento”, o comunicado apontou uma “reancoragem” apenas parcial das expectativas de inflação e um cenário global “desafiador”. Daí a necessidade, segundo o comitê, de uma política monetária ainda contracionista, conduzida com “serenidade e moderação”. Embora no rumo desejado pelo governo, a política de juros contribuirá para o crescimento econômico, portanto, menos do que se poderia esperar antes dessa manifestação.
Se tiver juízo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se conformará com essa nova orientação da política monetária. Assim, evitará brigar com o BC e apoiará o esforço de arrumação das contas públicas anunciado pelo ministro da Fazenda. Se escolher um caminho menos prudente e mais voltado para resultados de curto prazo, poderá realimentar a inflação e a insegurança.
Isso poderá tornar mais difícil a recuperação do investimento empresarial e das condições de expansão segura e duradoura. Um Lula discreto e cuidadoso nas palavras será muito melhor para a economia que um presidente falastrão e defensor do crescimento a qualquer custo.
Por Rolf Kuntz/Estadão