Em agosto, Lula experimentou o serviço de telemedicina garantido com a tecnologia de Elon Musk em um barco da Universidade Federal do Oeste do Pará
O procurador do Ministério Público de Contas Lucas Rocha Furtado pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) a suspensão de contratos mantidos pelo governo federal com a Starlink, do empresário Elon Musk. Na representação protocolada nesta quarta-feira, 10, Furtado afirma que os contratos devem ser desfeitos por causa da “afronta à soberania nacional” por parte de Musk.
Nos últimos dias, o bilionário sul-africano tem criticado decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ameaçado descumprir determinações de bloqueio a perfis no X (antigo Twitter), do qual é dono. O empresário tem mirado pessoalmente o ministro Alexandre de Moraes.
“Em meu entendimento, não pode haver qualquer relação do governo brasileiro, em todas as suas instâncias, com a empresa do Sr. Elon Musk, o qual, em total afronta e desrespeito à soberania nacional, ameaçou não se submeter ao direito brasileiro. O Brasil não pode viver de migalhas se quiser ser respeitado e providências urgentes devem ser adotadas a esse respeito”, escreveu o procurador.
Como já mostrou o Estadão, os contratos com órgãos públicos brasileiros costumam ser feitos por meio de empresas intermediárias regionais que são autorizadas a representar a Space X, empresa detentora da rede de satélites Starlink.
Há pelo menos um contrato direto com a Space X. É o que conecta o Navio Hospital Abaré, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve em agosto do ano passado para experimentar o serviço de telemedicina garantido pela tecnologia de Elon Musk. Os atendimentos funcionam no âmbito do projeto Rede Integrada de Desenvolvimento Humano (RIDH) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Lula participou de teleconferência dentro do Navio Abaré, da Ufopa, com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, a reitora da Ufopa, Aldenize Xavier, e a primeira-dama Janja da Silva; serviço é garantido com internet da Starlink. | 📷 Rafael Miranda/Ufopa
O kit da embarcação custou R$ 13.375,00, além de R$ 5.132,00 de mensalidade. O contrato, de tempo indeterminado, foi assinado pela Rede Nacional de Pesquisa (RNP), uma organização social usada pelas Comunicações e por outros dois ministérios para executar serviços com mais agilidade. Os recursos que a mantém são de três ministérios.
A RNP foi criada em 1989 pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e classificada como organização social em 2002. É uma entidade privada e sem fins lucrativos. O primeiro contrato do governo federal com a RNP, por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia, foi fechado em 2002.
Em 2021, o acordo foi renovado pela quarta vez e será válido até 2030, com transferência de recursos também dos ministérios da Educação e das Comunicações. O acordo transfere, anualmente, R$ 270 milhões à entidade, que ainda recebe por serviços prestados a outros órgãos do governo.
O Estadão também já revelou que empresas intermediárias da Starlink instalaram antenas de internet para instalações militares e outros órgãos. O maior navio da frota da Marinha, o Aeródromo Multipropósito Atlântico, e o Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, do Programa Antártico Brasileiro, estão conectados com a tecnologia de Musk.
Com capacidade para receber aeronaves, o Navio-Aeródromo Multipropósito Atlântico, da Marinha do Brasil, é a maior embarcação da frota militar nacional. | 📷 Divulgação/Marinha do Brasil
Apesar dos contratos, a Marinha afirmou que “nenhuma estação de trabalho na qual trafegam dados militares terá acesso à rede Starlink, bem como nenhum documento de natureza militar será recebido ou transmitido por essa rede”.
Por Vinícius Valfré/Estadão