“Só queria ser um pai responsável”, assim começa minha entrevista com Heitor Davi Ribeiro, de 39 anos, morador do Itaim Paulista, Zona Leste de São Paulo (SP), e pai de dois meninos autistas, um de 9 e um de 4 anos. Nossa história de hoje tem apenas um dos filhos como protagonista, pois foi com essa criança que Heitor se transforma e criou o Projeto UPS (Unindo Projetos Sociais).
Quando José (nome fictício) tinha 2 anos, a escola chamou a mãe e disse que o filho parecia ser autista e pediu uma avaliação. A mãe, se sentindo sem condições psicológicas de se apropriar da notícia, relata ao pai e nega a suspeita.
Heitor entra na justiça e pede a guarda do filho: quando algo precisa ser feito. Deixou um emprego com excelente renda mensal e passou a buscar entender sobre o autismo e os tipos de atendimentos que poderia oferecer a seu filho. José entre 2 e 3 anos já não gostava de barulho, lugares fechados e tinha comportamentos definidos pelo pai como antissociais.
Ao pedir demissão, Heitor vê sua rede esvair-se. Familiares e amigos afastaram-se e passaram a julgá-lo pela escolha feita. Não eram mais chamados para eventos de família, porém teve apoio de sua tia que foi fundamental nessa história,
Sentia que seu filho não poderia se desenvolver nas habilidades sociais caso não tivesse um grupo social para conviver.
Rapidamente encontra uma solução: comprar pães e mortadela, leva para a rua e convida os moradores a lanchar consigo e seu filho. Prontamente aceitam e assim inicia-se um processo que chega aos dias de hoje. Dos moradores de rua, pai e filho passam a fazer entregas de doces para as crianças da comunidade com ajuda de parceiros, tentando ensinar ao filho regras de sociabilização e empatia.
Pai e filho não passaram despercebidos pelos olhares de outras famílias e lentamente uma ou outra se aproximava com o mesmo propósito: sociabilização e empatia. Quando se deram conta, eram mais de 70 famílias. Entenderam que precisam fazer mais.
Ensinaram classificação e seriação aos pequenos, montando cestas básicas e distribuindo nas 7 comunidades do Itaim Paulista. Ampliaram o repertório das crianças, ofereceram oportunidades para realizarem tarefas com ordens simples, e recebiam olhares de gratidão e alegria ao entregarem suas encomendas. Era a junção dos excluídos: PCDs, moradores de rua e moradores de comunidades. Todos pela inclusão.
Entenderam que precisavam fazer mais.
Realizam eventos mensais onde apresentam autistas utilizando suas habilidades e dons, seja na música, na pintura ou no artesanato. Fecham convênios e parcerias com lojas e escolas da região para oferecerem oportunidades de cursos profissionalizantes aos pais e. Escolas de beleza dispõem de bolsas de estudo para formar pais e mães em estética, cabelo, unha, etc.
“Infelizmente o LOAS proíbe os familiares a terem um trabalho digno e com registro. Vivemos de bicos”, assim, uma profissão como a de uma na área de beleza, auxilia no final do mês.
É importante ressaltar que buscar pelo Cras, Caps, Loas, não é capricho, é direito. Um direito que nem sempre está ao alcance de todos. Muitas famílias utilizam o projeto como ‘tratamento’, enquanto aguardam na fila do SUS.
José não utiliza o SUS. O pai tinha economias e as utilizava para um plano de saúde, Medtour, que, com muito diálogo, auxiliou na abertura de uma unidade de ABA no território e hoje atende mais de 300 crianças na clínica Centro de Reabilitação Vida em Desenvolvimento. A escola também é particular; bolsista e ‘teste’ para ferramentas de inclusão. A escola Colégio Negreiros testa diversas formas de atuação com José e depois as utiliza com outros alunos de inclusão. Heitor se sente “abençoado” por ter escolhido o melhor plano e a melhor escola para seu filho.
O segundo filho mora com a mãe, embora dividam as responsabilidades de atendimento e estimulação. João é autista nível 1 de suporte.
Pergunto se há muitos pais como ele na UPS: “95% são mães e, 70% delas são mães solo”. Entende as dores dessas mulheres, mas luta contra a generalização, pois é pai e não abandonou seus filhos.
Heitor é muito procurado por políticos. Querem tirar fotos, caminhar ao lado dele, oferecem cestas básicas. Quando perguntados se vão aderir “à causa”, eles desaparecem. Heitor não quer campanha, quer permanência.
Para ele, o que parece ser impossível para a sociedade, um indivíduo é capaz de realizar, por um mundo mais gentil, empático e inclusivo.
Heitor deixa seu agradecimento a todos os amigos solidários, ao Instituto Arca da Aliança, projeto Ajudem a Nos Ajudar, Movimento Santos Inclusão, clinica Centro de Reabilitação Vida em Desenvolvimento, Boliche Bariloche, Colégio Julliard, Projeto Salve, Colégio Negreiros, a todos os pais e, principalmente, a sua tia Carmen Lúcia, por escreverem juntos essa história.