CRIMINAL - STF recebe denúncia do MPF e torna réus quatro acusados pelo homicídio de Marielle Franco e Anderson Gomes

Eles vão responder por homicídio qualificado e organização criminosa


Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, na tarde desta terça-feira (18), a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra quatro homens acusados do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018. Com a decisão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro Domingos Inácio Brazão, o deputado federal João Francisco Inácio Brazão, o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior e o policial militar Ronald Paulo de Alves Pereira se tornam réus por homicídio qualificado no caso de Marielle e Anderson e por tentativa de homicídio no caso de Fernanda Chaves, assessora da vereadora que estava no carro no momento do ataque. Além disso, os irmãos Brazão e Robson Calixto Fonseca, conhecido como “Peixe”, vão responder por organização criminosa, conforme previsto no art. 2º, §2º, da Lei n. 12.850/13.

A Turma seguiu voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e considerou que a denúncia atende aos requisitos legais ao narrar os fatos criminosos e reunir indícios do cometimento do crime e de sua autoria. Os elementos estão expostos de forma individualizada em relação a cada um dos denunciados, o que assegura justa causa para o início da ação penal. Além disso, a Turma reconheceu que as colaborações premiadas citadas na denúncia estão corroboradas por outros elementos de prova e reafirmou a competência do STF para julgar o caso, uma vez que o deputado federal João Francisco Inácio Brazão é acusado de organização criminosa, um crime de natureza permanente que continuou ocorrendo mesmo depois que ele assumiu o mandato.

Em sustentação oral durante o julgamento, o subprocurador-geral da República Luiz Augusto Santos Lima relembrou os principais pontos da denúncia, destacando que as investigações mostraram a perniciosa relação existente entre as milícias e ocupantes de cargos eletivos no Rio de Janeiro. “Nos territórios controlados por milicianos, apenas os candidatos apoiados por eles são autorizados a exercer atos de campanha eleitoral. A contrapartida exigida pelos grupos criminosos é de que, uma vez eleitos, esses aliados defendam seus ilícitos interesses junto às instituições de Estado”, explicou. Ao se envolverem com grupos criminosos armados, os irmãos Brazão buscavam constituir redutos eleitorais e lucrar com a grilagem de terras.

Luiz Augusto citou as relações entre os denunciados, as milícias e a grilagem de terra, a atuação dos irmãos Brazão para regularizar ocupações irregulares e a oposição firme de Marielle, que que defendia a regularização fundiária apenas em favor de famílias de baixa renda. “Marielle se tornou a principal opositora mais forte e o mais ativo símbolo de resistência aos interesses econômicos dos irmãos Brazão. Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitarem sua postura”, sustentou, citando trecho da denúncia. “Há indícios suficientes de autoria, expostos de forma individualizada em relação a cada um dos denunciados. Nesta etapa processual, é o que basta para se reconhecer justa causa à ação penal,”, concluiu.

A denúncia – Apresentada ao Supremo há pouco mais de um mês, a denúncia do MPF explica que os irmãos Brazão formaram alianças com diferentes grupos de milícia em atividade no município do Rio de Janeiro desde o início dos anos 2000, principalmente nas regiões de Jacarepaguá, Rio das Pedras e Oswaldo Cruz. Segundo o MPF, os irmãos constituíram sociedades empresariais com milicianos e mantiveram pessoas de sua confiança em cargos em comissão na Assembleia Legislativa e no Tribunal de Contas do Estado.

A atuação política da vereadora Marielle Franco, desde quando atuava como assessora de deputado estadual do PSOL, foi de encontro aos anseios dos irmãos Brazão, que atuavam para beneficiar “grileiros” de áreas controladas pela milícia. Marielle trabalhou ativamente contra projetos de lei apresentados por João Francisco Inácio Brazão, então vereador, que pretendia flexibilizar requisitos para regularização de loteamentos clandestinos, ao mesmo tempo em que buscava destinar as áreas para famílias de baixa renda. As divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais teriam sido o estopim para determinar a execução da vereadora.

De acordo com a denúncia, a ordem para execução dos homicídios partiu dos irmãos Brazão. O delegado Rivaldo Barbosa de Araújo Junior, nomeado como chefe de Polícia do Rio de Janeiro um dia antes do crime, prestou auxílio intelectual aos criminosos no planejamento da ação e usou a autoridade para oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes. Já Ronald Paulo de Alves Pereira, conhecido como “Major Ronald”, monitorou as atividades de Marielle e forneceu informações essenciais aos executores do crime (os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, que estão presos desde 2019 e aguardam julgamento pelo Tribunal do Júri).

O MPF aponta ainda que os homicídios foram praticados mediante promessa de recompensa, por motivo torpe (proteção a interesses econômicos relacionados às atividades de milícias, bem como para desencorajar eventuais atos de oposição política), mediante emboscada e sem chance de defesa para as vítimas. As circunstâncias qualificadoras podem agravar a pena dos acusados, caso eles sejam condenados pelos crimes. Na denúncia, o MPF pede indenização aos familiares das vítimas a título de danos morais e materiais sofridos em decorrência dos crimes.

INQ 4954

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