A investigação da Polícia Federal que levou à quarta fase da Operação Última Milha nesta quinta (11), contra um suposto esquema de espionagem ilegal de autoridades públicas dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), apontou que a “estrutura paralela” foi usada para proteger os filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com o inquérito tornado público no final da manhã, o então diretor-geral da agência, o atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), determinou que servidores cedidos ao órgão trabalhassem para apurar e criar contrainteligência e desinformação sobre alvos específicos – aqueles que poderiam atingir diretamente os filhos de Bolsonaro.
Três deles tiveram apurações específicas divulgadas pela PF: Jair Renan Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ). O primeiro não se pronunciou sobre a investigação. O ex-presidente também ainda não comentou a apuração da autoridade.
Flávio afirmou que “simplesmente não existia nenhuma relação minha com Abin. Minha defesa atacava questões processuais, portanto, nenhuma utilidade que a Abin pudesse ter”. “Após documentos se tornarem públicos conclui-se que ter amizade comigo virou passível de ser crime e ser meu ex-assessor também”, completou Carlos pelas redes sociais.
Na apuração específica sobre um suposto tráfico de influência envolvendo Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 do ex-presidente, a PF diz que os policiais federais sob a direção de Ramagem “utilizaram-se das ferramentas e serviços da Abin para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal”.
“No ano de 2021, foi instaurado pela Polícia Federal inquérito Policial Federal para apurar suposto tráfico de influência perpetrado pelo sr. Renan Bolsonaro. Entre as circunstâncias, havia a premissa do recebimento pelo investigado de veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de exploração minerária”, pontuou.
A PF afirma que as ações de “inteligência” realizadas “não deveriam deixar rastros”, e que a “alta gestão decidiu que não haveria difusão do relatório” como pedido pelo Palácio do Planalto à direção-geral da Abin – então ocupada por Ramagem. “Noutros termos, o presente evento corrobora a instrumentalização da Abin para proveito pessoal. Neste caso o intento era fazer prova em benefício ao investigado Renan Bolsonaro”, completou.
Jair Renan Bolsonaro não comentou a apuração.
“Podres” sobre auditores da Receita
Em outra apuração, a PF aponta o uso da estrutura da Abin para o monitoramento de auditores da Receita Federal responsáveis pelo chamado RIF (Relatório de Inteligência Fiscal) que deu origem à investigação de 2020 que apurava o desvio de parte dos salários de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – que ficou conhecido como “caso da rachadinha” – pelo senador Flávio Bolsonaro, com o objetivo de “’encontrar podres’ sobre os mencionados auditores’”.
“A diligência sobre os auditores responsáveis pela confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que substanciou investigação criminal envolvendo o Senador Flávio Bolsonaro ao que indicam os vestígios encontrados foi determinada pelo Del. Alexandre Ramagem. Os fatos envolvendo diligências realizadas para supostamente beneficiarem o Senador Flávio Bolsonaro resultaram na sindicância n° 10/2020”, apontou a PF.
A investigação aponta ainda que “o diretor da Abin, Alexandre Ramagem, parece ter faltado com a verdade em seu depoimento na condição de testemunha, pois não considerou a diligência de ‘achar podres e relações políticas’ com a confecção de dossiês dos servidores da Receita Federal”.
“A premissa investigativa ainda é corroborada pelo áudio de 01:08 (uma hora e oito minutos) possivelmente gravado pelo Del. Alexandre Ramagem no qual o então presidente Jair Bolsonaro, GSI General [Augusto] Heleno e possivelmente advogada do Senador Flávio Bolsonaro tratam sobre as supostas irregularidades cometidas pelos auditores da receita federal na confecção do Relatório de Inteligência Fiscal que deu causa à investigação”, aponta a PF indicando que seria necessário instaurar um procedimento administrativo contra os auditores para anular a investigação, além de retirá-los dos seus respectivos cargos.
O áudio está em perícia pela PF e não foi divulgado.
Flávio Bolsonaro afirmou que a “divulgação desse tipo de documento, às vésperas das eleições, apenas tem o objetivo de prejudicar a candidatura de Delgado Ramagem à prefeitura do Rio de Janeiro”.
Esquema de desinformação
Outro filho do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), também foi beneficiado pelo esquema paralelo da Abin, segundo a PF. A apuração aponta que, quando foi determinada a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático e depoimento à CPI da Covid-19, a rede montou um esquema de desinformação contra o senador Alessandro Vieira (MDB-RS), autor dos requerimentos.
“Somente lixos [em referência ao senador]. Vamos difundir isto, Pede para marcar o CB [Carlos Bolsonaro]”, disse o policial Bormevet ao militar Giancarlo Gomes que respondeu “já estou municiando o pessoal”.
A apuração da PF aponta que a “difusão da desinformação ocorria com a devida ‘marcação’ de integrante do NÚCLEO-POLÍTICO CB - CARLOS BOLSONARO”. Em uma das mensagens, Giancarlo reforça: “Acho que merece uma Thread marcando o Carlos Bolsonaro...".
Segundo os investigadores, “as ações clandestinas ocorreram em represália às ações do Senador da República [Vieira] no exercício de seu cargo”.
“Após documentos se tornarem públicos conclui-se que ter amizade comigo virou passível de ser crime e ser meu ex-assessor também”, disse Carlos Bolsonaro nas redes sociais sobre a investigação.