OPINIÃO - Bolsonaro desautoriza mote de ‘impeachment já’ para Lula em manifestações de março | Roseann Kennedy

Ex-presidente afirma que protesto é para defender anistia aos condenados do 8 de Janeiro e ‘Fora Lula’ em 2026, não agora


Bolsonaro quer foco das manifestações em anistia para condenados do 8 de janeiro de 2023 e tenta desgastar Lula para que ele não dispute a reeleição. | 📷 Tiago Queiroz/Estadão

O ex-presidente Jair Bolsonaro desautorizou aliados que começaram a defender a palavra de ordem “impeachment já” para os atos de 16 de março convocados pela oposição, em todo o País. Organizadores da manifestação argumentam que a estratégia em curso é para desgastar ao máximo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e deixar o governo “sangrar” até a eleição de 2026. Com esta perspectiva, os motes do protesto são “Anistia Já” e “Fora Lula 2026”, mas não a defesa do impeachment.

“Alckmin seria mais do mesmo”, disse à Coluna do Estadão o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), numa referência ao vice-presidente Geraldo Alckmin. Um dos coordenadores dos atos do dia 16, Sóstenes afirmou que as manifestações pedindo anistia aos condenados do 8 de janeiro de 2023 ocorrerão em todas as capitais e também em algumas cidades do interior.

“Foi o Lula que disse que quer o povo na rua, não foi? Então, já que ele convocou, terá”, ironizou o deputado. “A gente estava tranquilinho, mas ele fustigou.”

Na prática, não interessa a Bolsonaro defender o impeachment de Lula agora para não misturar as estações, uma vez que o foco principal do protesto é a anistia.

Além disso, nos bastidores, aliados do ex-presidente admitem que não há apoio político, fato concreto nem tempo hábil para a tramitação de um processo como esse no Congresso.

Diante de um cenário adverso para Bolsonaro, a oposição aposta agora em tentar levar Lula a “nocaute” para que ele não concorra à reeleição em 2026 nem consiga emplacar um eventual sucessor.

A confusão sobre a palavra de ordem da manifestação, porém, foi provocada pelo próprio ex-presidente, que, em entrevista ao canal Brasil Talking News, mencionou a expressão “impeachment” ao falar de “questões nacionais” previstas para entrar no ato. Bolsonaro confirmou presença no protesto do Rio de Janeiro.

Além disso, nesta sexta-feira, 14, o empresário Elon Musk – dono do X e chefe do Departamento de Eficiência Governamental da gestão de Donald Trump nos Estados Unidos – compartilhou um post dizendo que haverá “uma onda de protestos em 120 cidades do Brasil no dia 16 de março pedindo a remoção de Lula”.

A publicação viralizou e também foi compartilhada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Musk é aliado do bolsonarismo e conhecido adversário do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, relator da investigação sobre os ataques do 8 de janeiro.

Toda essa movimentação ocorre às vésperas de a Procuradoria-Geral da República apresentar denúncia ao STF contra o ex-presidente e outros investigados por tentativa de golpe de Estado. Na lista dos 40 indiciados pela Polícia Federal estão os ex-ministros Braga Netto, hoje preso, e Augusto Heleno, além do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

O STF pretende julgar os denunciados antes da disputa de 2026 para não contaminar o processo eleitoral. Bolsonaro está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Recentemente, ele ampliou as negociações com líderes e presidentes de partidos do Centrão, como Gilberto Kassab – que comanda o PSD e é secretário do governo de Tarcísio de Freitas –, em busca de apoio para aprovar o projeto da anistia e mudar a Lei da Ficha Limpa.

Vista como um marco no combate à corrupção no País, a Lei da Ficha Limpa determina a inelegibilidade, por um período de oito anos, de políticos condenados por crimes como lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público, tráfico de drogas, racismo e improbidade administrativa, entre outros, após o cumprimento da pena.

Uma proposta apresentada pelo deputado Bibo Nunes (PL-RS) prevê a redução desse período de inelegibilidade para dois anos. A ideia é que a aprovação do projeto beneficie Bolsonaro, mas a lei não afeta condenações criminais. Assim, caso o ex-presidente seja condenado pelo STF, como se prevê, é muito improvável que ele possa ser favorecido pela eventual mudança na legislação.

Por Roseann Kennedy/Estadão
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