Italiano com perfil diplomata e próximo a Francisco, Pietro Parolin é visto como possível opção de consenso se conclave estiver dividido. Especialistas, porém, não veem nele vocação pastoral ou carismática

O cardeal italiano Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano e figura central na administração da Santa Sé, desponta como um dos principais nomes cotados para suceder o papa Francisco, que morreu nesta segunda-feira, 21, aos 88 anos. Ele tem sido um dos nomes mais destacados na imprensa internacional, além de liderar as bolsas internacionais de apostas ao lado do filipino Luis Antonio Tagle. Ele, ainda, presidirá o conclave, processo que elege o novo pontífice.
Diplomata de carreira com quase quatro décadas de experiência e poliglota, Parolin, de 70 anos, teve experiência em assuntos ligados ao Oriente Médio (incluindo a Guerra em Gaza) e Ásia, região onde a Igreja Católica tem mais visto aumentar seu número de fiéis.
Desde agosto de 2013, ocupa o cargo que atuou diretamente ao lado de Francisco, que o nomeou cardeal em 2014. Também integra o Conselho de Cardeais, criado para aconselhar o pontífice.
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, ele ganha holofotes diante da visibilidade do posto que ocupa e pode se tornar um nome de consenso em uma eleição disputada. Não tem, no entanto, vocação pastoral nem carismática. E pode enfrentar resistência em um colégio de cardeais mais internacionalizado, que podem ver na escolha de um italiano uma volta ao passado da Igreja.
O Vaticano é tradicionalmente influenciado pelos italianos, mas já foram três papados seguidos de religiosos de outros países (o polonês João Paulo II, o alemão Bento XVI e o argentino Francisco). Dos 135 cardeais eleitores, 108 foram escolhidos por Francisco. Em 2013, no último conclave, 56% dos integrantes com direito a voto eram da Europa. Agora, 39% são europeus, incluindo alguns que atuam em outros continentes. Ásia e África estão entre as regiões que ganharam mais espaço.
Cardeal presidirá o conclave
Caberá a Pietro Parolin a importante missão de presidir o conclave. Isso porque o processo que elege o próximo pontífice só pode ser realizado com a participação dos cardeais com, no máximo, 80 anos. O Decano, Giovanni Battista Re, de 91 anos, e o Vice-decano, Leonardo Sandri, de 81, que deveriam coordenar esse processo eleitoral, não poderão entrar na Capela Sistina no momento da votação por conta da idade.
Entre algumas das funções próprias do cardeal Decano é perguntar se os cardeais eleitores estão prontos para prosseguir com a votação ou se precisam de esclarecimentos sobre as regras e procedimentos descritos na Universi Dominici Gregis.
O Parolin é o mais sênior entre os cardeais da ordem dos bispos (com as saídas do Decano e Vice-decano). Ele não vai comandar, mas vai presidir e coordenar junto com os outros cardeais”, explicou o vaticanista Filipe Domingues. “O cardeal Parolin terá uma função de organização, mas não poderá tomar as decisões sozinho, tem que seguir junto com uma comissão”, acrescentou o especialista.
Trajetória
Nascido em 17 de janeiro de 1955 em Schiavon, na região do Vêneto, norte da Itália, Parolin ingressou no Seminário Episcopal de Vicenza aos 14 anos. Foi ordenado sacerdote em 27 de abril de 1980, após completar sua formação teológica.
Sua trajetória na diplomacia começou em 1986, com passagem inicial pela nunciatura apostólica na Nigéria, seguida de missão no México. Ao longo da carreira, especializou-se em temas relacionados ao Oriente Médio e à Ásia, com destaque para o fortalecimento das relações entre a Santa Sé e o Vietnã.
Parolin também desempenhou papel relevante na retomada do diálogo entre israelenses e palestinos, convencido da importância de esforço conjunto para “criar as condições para uma paz verdadeira e justa” no Oriente Médio.
Em 2008, liderou a delegação da Santa Sé nas reuniões da Comissão Bilateral Permanente com o Estado de Israel. Em diferentes ocasiões, foi porta-voz do Vaticano em fóruns internacionais, defendendo os direitos humanos e a liberdade religiosa.
Em agosto de 2009, aos 54 anos, foi nomeado núncio apostólico na Venezuela pelo papa Bento XVI, em um momento de tensão entre a Igreja e a ditadura de Hugo Chávez.
Símbolo da convergência entre a tradição diplomática do Vaticano e os novos rumos promovidos por Francisco, Parolin teve papel decisivo na execução da agenda do pontífice por uma Igreja aberta ao diálogo e comprometida com a justiça social e a paz global.
Em entrevista recente ao jornal italiano La Repubblica, ele declarou: “Como o papa Francisco tem recordado repetidamente, a paz não se impõe, é construída pacientemente, dia após dia, com o diálogo e o respeito mútuo”.
Para o cardeal, “a maior contribuição que a Santa Sé pode dar no atual panorama internacional é precisamente a do diálogo: testemunhar a sua importância e praticá-lo em primeira pessoa, mesmo quando é difícil, mesmo quando pode ser uma escolha impopular, mesmo quando pode parecer inútil e improdutivo”.
‘Mediante impasse, poderá agradar a gregos e troianos’
Filipe Domingues, que também é professor de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, acredita que Parolin tem a visão da “igreja da periferia”, defendida por Francisco nos últimos anos, embora seja um europeu.
“Mas no colégio cardinalício que o papa construiu, muito internacional - mais de 80% dos cardeais foram escolhidos por Francisco -, é possível que não queiram eleger de novo um italiano, colocar de novo a igreja nas mãos dos italianos”, acrescenta.
“Penso que ele se encontra nas listas não por seus méritos pessoais, mas pelo fato de ser o segundo homem da Cúria/Santa Sé na função de secretário de Estado”, avalia João Décio Passos, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para ele, se eleito seu pontificado será baseado na técnica diplomática. “Não será certamente um papa pastor. Já tivemos papas diplomáticos no século passado, como Pio XII, durante a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial. Mediante um impasse na eleição, ele poderá ser uma opção pragmática e que poderá agradar a gregos e troianos.”
Sociólogo especialista em religião e ex-coordenador do núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba Ribeiro Neto prefere não opinar sobre favoritos ao papado. Mas explica que não se pode pensar na escolha como se fosse uma eleição da política convencional, como as que ocorrem para presidente da Câmara ou do Senado.
“A maior parte dos eleitores conhece pouco dos demais participantes, cada um está em um lugar no mundo. depende muito do impacto que cada um deles vai causar naqueles dias do conclave”, afirma.
“É um processo no qual os grupos políticos contam pouco.” Segundo ele, acabam se destacando aqueles que demonstram “força humana como homem de fé”, e não os burocratas.